Quando uma palavra cai na boca do povo e pode ser ouvida em toda parte, referindo-se a uma variedade de assuntos, há duas possibilidades. A primeira é ela ter virado um chavão, um lugar-comum destituído de significado real, que pode ser usado para qualquer coisa, da venda de sabonete aos programas de governo. A outra possibilidade é a palavra representar um conceito que realmente se tornou o zeitgeist – o “espírito dos tempos”, termo criado pelos filósofos alemães – da nossa era. A expressão “ser verde” se encaixa claramente na primeira categoria. Qual é o caso de sustentabilidade? Vamos a eles:
1. Ninguém realmente sabe o que isso significa
O sentido moderno do termo foi claramente definido pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, da Organização das Nações Unidas, em 1987. O documento, chamado Nosso Futuro Comum, classificou o desenvolvimento sustentável como aquele que “satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades”. Ou seja, recomenda cuidar dos ecossistemas no presente para que haja recursos suficientes para sustentar a vida humana no futuro. “Sustentabilidade não é apenas proteger o ambiente”, disse o americano Anthony Cortese, fundador e presidente da organização educacional Second Nature: “Não estamos preocupados com a salvação do planeta. A Terra já sobreviveu a cinco extinções em massa, a última delas a que acabou com os dinossauros, há 65 milhões de anos, e vai sobreviver se o modo de vida humano causar nova extinção em massa”. O assunto não é se preocupar com o fim do mundo, completa Cortese, “mas encontrar formas de preservar a capacidade da Terra de sustentar uma civilização próspera e moderna.”
2. É um sinônimo de verde
Os dois conceitos têm pontos em comum, mas “verde” significa, sobretudo, a preferência do natural sobre o artificial. Com quase 7 bilhões de pessoas no planeta e um acréscimo de 2 bilhões previsto para 2050, dependemos da tecnologia para dar a elas um bom padrão de vida. A tecnologia não é algo necessariamente ruim. Quando limpa, sem causar impactos destrutivos ao ambiente, pode encontrar recursos renováveis, como as células solares, as turbinas de vento e os carros elétricos. “O tempo que o planeta demora para produzir os recursos de que o homem precisa é muito maior do que o tempo que o homem leva para consumi-los. Por isso a tecnologia limpa é tão importante”, disse Rosely Imbernon, especialista em educação ambiental da Universidade de São Paulo.
3. Trata-se, em resumo, de preservar a natureza
Seria limitado discutir a sustentabilidade apenas do ponto de vista ambiental. As perspectivas sociais e econômicas da humanidade estão no mesmo patamar da preservação do meio ambiente. Mesmo que os moradores das grandes cidades decidam economizar água para que o abastecimento seja suficiente para todos, quase 1 bilhão de pessoas não terão acesso garantido a esse recurso – e isso não é sustentável. “Hoje, 70% dos recursos naturais são consumidos por apenas 25% da população mundial. Não basta cuidar desses recursos, é preciso encontrar uma forma de garantir uma vida saudável para todos”, diz Anthony Cortese, da Second Nature.
4. É outra palavra para reciclagem
Reciclar se tornou a solução simbólica da crise ambiental e é a mensagem mais divulgada quando se fala em contribuir para a sustentabilidade. Deu certo, de muitas formas. As pessoas estão realmente preocupadas com o assunto, e a coleta seletiva de lixo se tornou a contribuição que a maioria está disposta a dar ao futuro do planeta. A complicação é que encaminhar garrafas e latas de alumínio para o reaproveitamento é apenas um item de uma enorme pauta. Energia e transporte, por exemplo, são questões com maior prioridade. “A reciclagem deveria ser a última etapa realizada em desenvolvimentos sustentáveis”, diz Rosely Imbernon, da USP. “A escolha de produtos com menor impacto ambiental e de tecnologias mais limpas deve ser o primeiro passo.” Em resumo, quem acha que vive de forma sustentável apenas porque está separando o lixo para a reciclagem precisa pensar melhor no assunto.
5. Custa muito caro
Esse é o mito dos mitos. A impressão de que ser sustentável sai caro está associada ao fato de que existe um custo inicial na implantação de tecnologias limpas. De fato, quando se tem um sistema insustentável – a fábrica poluente, o transporte a diesel, lâmpadas incandescentes ou um carrão gastador na garagem -, não há como escapar de despesas na troca por tecnologia mais sustentável. Quase sempre o investimento é fartamente recompensado pela economia que se fará no futuro. Algumas vezes nem é necessário gastar com nova tecnologia, mas apenas modificar processos rotineiros. Anthony Cortese dá uma exemplo: “A Interface, a maior fabricante mundial de carpetes, economizou 400 milhões de dólares nos últimos dez anos somente por reduzir o desperdício de matéria-prima utilizada na produção”.
6. Significa reduzir o padrão de vida
Não é verdade. Ou, pelo menos, não toda a verdade. Durante muito tempo, a sustentabilidade foi encarada como uma crítica ao alto padrão de vida dos habitantes dos países ricos. O conceito de sustentabilidade não é um clamor por uma vida menos confortável, mas, sim, uma reflexão sobre o consumo excessivo. Basicamente, é uma proposta de fazer mais com menos. “Não é preciso deixar de viver bem, mas mudar o conceito do que é uma vida boa”, disse Mark Lee, diretor da Sustainability, consultoria com sede em Londres. “Pequenas substituições podem ter resultados extraordinários.”
7. Depende dos consumidores e militantes, não do governo
A escolha do consumidor e dos movimentos organizados é necessária e produtiva, mas não é suficiente para promover grandes mudanças. Só o governo tem o poder e os recursos para fazer diferença real. Pode, por exemplo, usar a tributação para coibir a emissão de gases do efeito estufa. Também pode criar padrões para veículos mais eficientes no uso de combustíveis. Um ponto controverso diz respeito a deixar ou não a questão da sustentabilidade a cargo da livre iniciativa. Pode-se esperar que os preços subam naturalmente à medida que os recursos naturais fiquem escassos, reduzindo-se assim o consumo. O problema, no entender de Anthony Cortese, é que o preço da maioria dos produtos não inclui o verdadeiro valor dos serviços que o planeta nos presta com seu ecossistema. Caberia ao governo informar à sociedade o valor real dos impactos externos de cada item. Dessa forma, a indústria se veria obrigada a procurar soluções mais eficientes e responsáveis para não ficar fora do mercado. “Temos um falso senso de segurança quanto aos impactos que causamos no dia a dia; por isso precisamos saber o preço real das coisas para refletir sobre a verdadeira causa”, diz.
8. Novas tecnologias são a solução
Nem sempre criar novas tecnologias é a solução para a dilapidação dos recursos naturais. Às vezes, reinventar uma metodologia ou um sistema já existente atende perfeitamente aos desafios da sustentabilidade. “Muitas pessoas pensam na melhoria do carro, mas poucas pensam em mobilidade urbana”, diz Maria Raquel Grassi, coordenadora do núcleo Petrobras de sustentabilidade da Fundação Dom Cabral. “Sem os engarrafamentos, reduziríamos o gasto de combustível.”
9. O cerne do problema é a superpopulação
Não é exatamente um mito, mas uma falsa questão. Todo o problema ambiental é, em última análise, populacional. Se a população total do planeta fosse reduzida a 190 milhões de pessoas – um Brasil, portanto -, teríamos espaço de sobra para depositar nosso lixo bem longe de casa. Mas isso não vai acontecer. Como já está bem demonstrado, a melhor forma de conter o aumento da população é promover a educação e a melhoria das condições de vida. Como a vida melhorou em boa parte do mundo, a ONU já foi forçada a rever suas projeções de crescimento populacional: o número de pessoas na Terra deve se estabilizar em torno de 9 bilhões em 2050. É muita gente, visto que hoje, com 6,8 bilhões de habitantes, já estamos gastando recursos naturais acima da capacidade de reposição do planeta. Mas há como contornar o problema. A China, com 1,3 bilhão de habitantes, é o maior produtor de gases de efeito estufa no mundo. Mas as emissões per capita correspondem a apenas 30% das dos Estados Unidos, que têm 310 milhões de habitantes.”A culpa não é só do tamanho da população, mas também da integração do crescimento populacional com os hábitos de consumo da sociedade”, diz Anthony Cortese. “Se o mundo inteiro consumisse como os Estados Unidos, precisaríamos de quatro planetas”, explica.
10. É fácil viver de forma sustentável
Nem sempre uma atitude sustentável é suficiente para colaborar com o planeta. Não que seja inútil, mas o conceito de sustentabilidade está ligado a atitudes que consideram resultados de longo prazo. “Na hora de tomar uma decisão para um negócio, vale imaginar todos os impactos possíveis no futuro, ambientais, sociais e econômicos”, diz Maria Raquel Grassi. Antes de desenvolver uma prática que aparenta ser a solução de todos os problemas, é preciso olhar para todos os lados e ter certeza de que ela não causará outros tipos de impacto. Um exemplo: a derrubada de uma floresta para plantar cana para a produção de etanol. O uso do combustível alternativo seria benéfico no que diz respeito à emissão de gases do efeito estufa. Mas a derrubada da mata, por sua vez, encheria a atmosfera com mais dióxido de carbono. “Entender o conceito é um grande passo, mas os resultados só são percebidos depois que o ciclo se completa sem passar por nenhum problema”, explica Mark Lee.
Fonte: Planeta Sustentável – Abril
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